Consciência do passado,
Transformação do futuro.
Descoberta tropical faz explodir paixões botânicas como símbolo de status.
Construída ao longo dos séculos entre os países globalistas, bem antes da invasão holandesa, a flora de origem brasileira natural para os ambientalistas do século XVI.
Levando novidades botânicas para o norte da Bélgica, Londres e Paris.
Maravilhas brasileiras.
Rembert Dodonaeus, Matias Lobelius e Carolus Clusius transformaram a Europa.
O duque d'Arenberg junto com o horticultor Joseph Parmentier organizaram uma coleção de plantas exóticas compradas em Londres onde já desembarcavam desde a abertura dos portos no Brasil, em 1808.
Quando Benjamin Mary, filho do administrador do duque, abriu em 1834 o primeiro posto diplomático da Bélgica no Brasil, o envio de espécies vegetais passou a ser direto.
Mary desenhava a flora do entorno do Rio de Janeiro e enviava esses cadernos ao rei belga Leopoldo I. O aperfeiçoamento da litografia permitiu-lhe gravar uma dúzia de seus desenhos para a famosa Flora Brasiliensis, publicada por Carl von Martius em 1840.
Independente desde 1830, a pequena Bélgica tornava-se o epicentro europeu da explosiva botânica tropical seguindo o exemplo da Inglaterra.
Uma das formas da nova burguesia do país manifestar sua distinção social, era por meio de compras de bens, compras de coleções de plantas raras e pela participação nas recém-criadas sociedades de horticultura das principais cidades, com exposições e concursos.
A primeira delas surgiu em Gent, em 1808, e evoluiu para um evento quinquenal, a Florália, festejada até hoje. A paixão dos belgas por plantas raras se revestiu de interesse científico na Academia de Ciências e nas novas universidades em Liége e Gent. Além dos jardins botânicos universitários, surgiu em Bruxelas um jardim botânico privado, que seria estatizado em 1870.
Várias empresas horticultoras de peso, como Verschaffelt em Gand, Van Geert em Antuérpia, Jacob-Mackoy em Liége e Galeotti em Bruxelas juntaram subsídios para enviar caçadores de plantas ao Brasil.
Entre os mais conhecidos estão Gideón Crabbem e Achille Deyrolle (1832), Louis van Houtte (1834) e Jean Linden, Nicolas Funck e Auguste Ghiesbreght (1835). Estes últimos levaram sementes de aspargos e melões, bulbos de crocos e tulipas, que trocaram com o Jardim Botânico do Rio. Contratavam ajudantes, às vezes escravos, e com cavalos partiam para o interior, vestidos e equipados com material adequado, inclusive as caixas de Ward, feitas para guardar as plantas vivas.
O incansável Florent Claes, um dos últimos caçadores de plantas, foi ao longo do rio Doce (de Minas Gerais a Bahia), dormindo em redes e comendo jacaré seco. Cortava árvores para arrancar orquídeas e enviou à Europa milhares de exemplares de Cattleya labiata.
A crescente espoliação provocou protestos, como o do major Tunay, em 1863, contra o sumiço das orquídeas em Nova Friburgo.
Ao regressarem, vários viajantes fundaram seu próprio negócio. Van Houtte desenvolveu perto da cidade de Gent uma das maiores horticulturas, hoje gardens, tropicais da Europa. O luxemburguês Jean Linden, bem relacionado em Paris e Londres, assumiu em 1851 a direção do Jardim zoologique de Bruxelas, um parque de diversões com grandes estufas.
As descobertas eram divulgadas em revistas e livros prestigiosos, como a Flore des serres et des jardins de l'Europe (1845-1883), de Louis Van Houtte, e L'Ilustration horticole (1854), de Verschaffelt. De Voz achou, em Santa Catarina, as orquídeas Cattleya elegans Morren, muito raras e florescentes por cinco semanas, e a Cattleya guttata var Leopold II, também rara, mas redescoberta e importada em tanta quantidade que não faltava em qualquer coleção.
Linden as incorporou no luxuoso catálogo Pescatorea: Iconographie des orchidées (1860). Mais barato para os jardineiros era seu Journal des orchidées (1890-1897). Esta publicidade fazia ampliar seus clientes por toda a Europa e aumentada as reexportações.
O cultivo, a venda, as grandes coleções e a intensa vida social no seu entorno demandavam construções específicas. As orangeries ou invernadouros anteriores já não eram suficientes, e a Bélgica industrial seguiu logo a dianteira inglesa na construção de estufas em metal e vidro, aquecidas pelo carvão abundante.
Apareceram estufas de todos os tipos, jardins de inverno nos grandes hotéis e em galerias de compras. As horticulturas abriam suas portas aos passeios dos clientes. Em Gent, Van Houtte construiu a primeira dessas estruturas no formato redondo no continente europeu para se admirar a Victoria regia amazonense.
Para o concorrente Linden, em Bruxelas, Alphonse Balat projetou uma estrutura coroada, hoje conservada no Jardim Botânico de Meise. Ergueu ainda um imenso conjunto palaciano para Leopoldo II em Laken.
O rei trabalhava, passeava, recebia visitas, assistia a missas, dormia e até deu seu último suspiro na cama dentro destas estufas. Conquistador e tirano, aderiu aos encantos da natureza (orquídeas). Outros se contentavam com um modelo menor, posicionando ao lado do salão: passavam diretamente do aconchego burguês para a floresta tropical, uma escapatória da feiúra industrial. Houve quem gastasse fortunas para construir e manter sua estufa particular.
As curiosas plantas tropicais se inseriam na nova teoria evolucionista dos cientistas darwinianos e combinavam com o estilo de vida empreendedor dos capitalistas. Sua estranha beleza, erótica e supersticiosa, inspirava poetas de Charles Baudelaire em As flores do mal (1857), a Maurice Maeterlink em Seres chaudes (1889), e romances, como A Jangada, de Jules Verne (1881) e A rebours, de Joris-Karl Huysmans (1903). Em Un amour de Swann, Marceu Proust deu um duplo sentido às orquídeas: 'pas de catleyas ce soir', nada de jogos eróticos esta noite.
Na literatura surgiram também as críticas. Alphonse Karr comparou o tráfico das flores com o dos escravos, ao passo que Gustave Flaubert, em Bouvard et Pécuchet (1881), ridicularizou esta nova mania botânica. Numa peça de teatro popular, Geldwolven, 1881, Felix Vande Sande chorou a mísera sorte de um caçador de plantas, Jan Hartog, doente em Ouro Preto e abandonado pelos patrões belgas.
De pouco adiantou, pois as plantas tropicais se arraigaram na atividade econômica, particularmente na região de Gand. Seu porto é hoje o maior importador de suco de laranja brasileiro. Paralelamente, estreitou-se a colaboração científica entre botanistas belgas e brasileiros, como entre Alfred Gogniaux e João Barbosa Rodrigues, diretores dos respectivos jardins botânicos. As atuais pesquisas biotecnológicas de universitários belas e brasileiros empenham-se em extrair mais riquezas das florestas, mas também em reparar os estragos feitos. Enquanto isso, em torno das piscinas cobertas nos parques de férias belgas, oa lazer popular se ilude em pisar na floresta brasileira, mistificada e ressuscitada como antes.
Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional
Ministério da Educação 2013
Texto: Eddy Stols - professor emérito da Universidade de Leuven.
O cultivo de orquídeas é um hobby altamente gratificante, pois não necessita de grandes espaços ou tecnologia, somente de atenção, observação e cuidado para sermos premiados com lindas flores.